Entrevistas

Veja a entrevista exclusiva que o desenhista francês Émile Bravo, autor de O Diário de um Ingênuo, deu ao site Tujaviu, com o apoio de Paco Salamander

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Escrito por PH

fggdfdfdfdfffgf copy copyÉmile Bravo é um desenhista e ilustrador bastante conhecido na França e na Bélgicapossuindo origem espanhola. Ele nasceu no ano de 1964 em Paris e sua arte é bastante influenciada pela Linha Clara. Recentemente, o artista teve seu primeiro trabalho publicado no Brasil. Trata-se de O Diário de um Ingênuo, editado no ano passado pela SESI-SP. Com o apoio do amigo e colaborador Paco Salamander, o criador dos Wipers, nós publicamos aqui uma entrevista telefônica exclusiva com Bravo. Toda essa reveladora conversa se encontra transcrita no texto abaixo. Boa leitura!

1 – Bom dia, Émile. É um prazer para nós no Brasil, poder te entrevistar. E obrigado por dedicar uma atenção toda especial a este site consagrado à BD francófona. Você poderia imaginar que um site como esse existiria num país, tão longe da França, onde a BD franco-belga não está assim tão presente?

Pois é! Hoje, com os meios de comunicação que existem, através da internet, esperamos que isso possa ser transmitido e que possamos nos comunicar, de fato, em todo o planeta. Ficamos encantados que até no Brasil, possamos ser lidos. E isso é fantástico!

Creio que O Diário de um Ingênuo tenha sido traduzido em português há pouco tempo e estou contente por acontecer tão rápido! É isso!

2 – No seu estilo, a influência da Linha Clara é evidente. Como começou essa paixão?

Eu digo frequentemente que a Linha Clara, o desenho… são apenas instrumentos. É como a minha escrita. E como eu cresci com a Escola Franco-Belga e com Tintin, trata-se de um instrumento que eu conheço bem e que aprendi a manejar, enquanto ia crescendo.

Hoje, eu me sirvo disso, não como qualquer coisa de original ou como um estilo de desenho diferente, mas principalmente, como uma linguagem que está disponível para bastante gente, pois muitos já folhearam Tintin e conhecem o seu registro gráfico, simples e muito acessível. Foi por isso que que eu adotei a Linha Clara. Foi de forma natural e não por problemas de estética.

E mais uma vez, eu não estou de forma alguma querendo fazer parte de uma tendência teórica e estética da Linha Clara, dizendo « sim, a Linha Clara é um estilo com um traço fino, etc… ». Eu não penso que seja por aí. Eu vou mais pela visão que tinha Hergé, ou seja, um desenho claro a serviço de uma história clara, e que deve ser clara antes de tudo. É a trama, por ela mesma, e sua narração propriamente dita. O desenho estando por conta do enredo! Então, é algo bastante natural para mim.

3 – Em O Jardim de Émile Bravo, um quadrinho publicado em fevereiro de 2014, você criou uma paródia de Blake e Mortimer, Teria vontade de desenhar um álbum inteiro com os personagens criados por Edgar Pierre Jacobs ?

Lembro que tínhamos um projeto com Joann Sfar no fim da década de 1990. E pensamos que seria divertido fazer um álbum verdadeiramente no espírito de Jacobs, pegando emprestado o seu lado Hitchcock. Johan tinha começado a fazer uma sinopse de duas páginas e eu passei a desenhá-la. A ideia era a de fazer o roteiro ao mesmo tempo.

Achávamos realmente que os novos álbuns de Blake e Mortimer eram na verdade uma paródia do universo de Jacobs e cogitávamos que algo melhor talvez pudesse ser feito, escrevendo uma história bem mais sombria. Queríamos sobretudo criar uma trama que explicasse finalmente o fato desses personagens fazerem parte da « Ópera de Papel de Jacobs », do jeito que ele criou e que isso pertencia apenas a ele. Seria algo que não deveria ser mexido. Então, nós queríamos fazer esse álbum para explicar isso.

Mas, certamente, não por fascinação pelo universo de Jacobs. Eu li o autor quando era jovem e era algo que me entusiasmava quando eu tinha entre 10 e 12 anos. Hoje, esse universo é ainda assim muito difícil de ser lido, por causa de seu lado muito… masculino.

Pensávamos justamente que havia algo de mais iconoclasta a ser feito, e é esse o espírito de Jacobs! Eu então realizei essa curta HQ, com Joann Sfar, e foi o meu lado um pouco provocador que o fez substituir Blake e Mortimer por oficiais nazistas, para « denunciar » exatamente o aspecto rigoroso que havia no próprio trabalho de Jacobs. Mas foi pura brincadeira!

4 – Nesse momento, os brasileiros estão descobrindo de verdade o seu trabalho, através do título « O Diário de um Ingênuo ». Antes de ser convidado para desenhar o álbum, você já havia manifestado desejo de participar da série O SPIROU DE?

Não, jamais! Na verdade, foi a Dupuis que me procurou, por intermédio de um « outro » editor da empresa que se chama Benoît Fripiat. Ele conhecia bem a minha obra, principalmente através de « As Fantásticas Aventuras de Jules ». E como ele gostava muito dessa série, ele achava que havia algo nela bem no espírito de Spirou, o que me parecia ser algo normal, já que eu cresci com Spirou.

Então, no momento da criação dessa coleção, me contataram para saber se um projeto como esse me interessaria e me perguntaram se eu tinha algo de pessoal a propor, com a condição de possuir também carta branca, é claro! E foi isso que resultou no álbum do « Ingênuo », que, na minha concepção, respondia às perguntas que eu fazia a mim mesmo quando eu era criança. É preciso que se diga que a maioria das coisas que eu faço tem relação estreita com a minha infância. Eram questionamentos que eu acumulava, quando jovem, e foi uma ótima maneira de respondê-los.

E como está escrito na contracapa: « qual seria, de fato, a origem da relação entre Spirou e Fantásio e de sua amizade? É algo que nos apresentam dessa maneira pronta. Quando lemos um Tintin, por exemplo, compreendemos as amizades entre ele, o Capitão Haddock ou Girassol. Vemos essas amizades surgindo e entendemos os laços entre elas. Então, eu queria fazer a mesma coisa para explicar o que poderia ligar esses dois personagens tão diferentes, que são Spirou e Fantásio.

Além disso, tem o fato do esquilo Spip ter uma consciência. Quando eu era moleque, eu achava isso estranho, já que ele é um roedor, ao contrário de Milu, que é um cachorro, e eu sabia que o meu prório cão também pensava. Então, um esquilo falante era uma coisa que me perturbava quando eu era criança, diferentemente do Marsupilami, que é um animal que é sempre tratado conforme essa condição em relação ao seu temperamento. Por qual razão, Spip seria dotado de uma linguagem e não o Marsupilami?

Por que existe essa questão de não haver mulheres no universo de Spirou e qual o motivo para ele usar aquele uniforme ridículo, já que não exerce a atividade de groom? Nunca o vimos trabalhando num hotel! Então, eu resolvi contar todas essas pequenas anedotas que se situam historicamente no período de seu surgimento, ou seja, em 1938. E também, entre o personagem que é a mascote de Spirou, criado em 1938, e aquele das primeiras aventuras de Spirou e Fantásio. Aquele do primeiro álbum desenhado por Jijé e Franquin em 1940 não é mais o mesmo personagem, enquanto nos perguntamos o que poderia ter acontecido. Houve uma certa evolução, e como se passou uma guerra entre esses dois períodos, dizem que talvez tenha sido isso que o fez evoluir. Foi então uma oportunidade que eu tive para mostrar o que aconteceu.

5  – Como está se sentindo em relação à chegada de seu trabalho ao Brasil?

Estou muito feliz! Aliás, eu já fui ao Brasil, pois fui convidado a visitar o país pelo Instituto Francês no Rio, há alguns anos. Nessa época, eu não tinha álbuns publicados por lá, mas eu já pensava que era uma pena não ter nada no Brasil (risos). Mas eu costumo viajar bastante pelo mundo dessa forma, através da Aliança e Instituto Francês. Então, eu tenho cada vez mais trabalhos que são traduzidos em diferentes línguas e é sempre uma felicidade chegar em um país e ver que as pessoas me conhecem.

É muito legal, pois temos a impressão de estar transmitindo algo através do mundo, fora do eixo França, Bélgica e Suíça, e mesmo no Quebec. Mas é genial ter um livro traduzido em português do Brasil. O mesmo acontece quando sai algo em espanhol, o que nos dá um acesso a toda à América Latina, onde eu fui poucas vezes. Eu viajo para lá, no mês de maio, com destino a um festival em Montevidéu, no Uruguai, junto com uma dezena de livros traduzidos em espanhol. É realmente fantástico saber que, dessa forma, somos lidos pelo mundo afora.

6 – Conhece o quadrinho que é feito atualmente no Brasil?

Não muito! E isso não é falta de interesse, pois já temos muitas publicações na Europa. Mais de 5.000 livros, aproximadamente, são editados todos os anos e a gente se afoga numa onda deles, sem contar as traduções. E é na verdade a globalização que faz com que, às vezes, não saibamos se uma obra vem dos Estados Unidos ou de outro país. No meu caso, já faz três ou quatro anos que eu estou com excesso de trabalho, então, eu não posso saber o que se passa em todos os lugares. E é essencialmente o tempo que nos falta nessa vida.

7 – O que podemos esperar da continuação do « Diário de um ingênuo », um novo episódio que acontecerá na época da Ocupação e que estaria previsto para ter em torno de 250 páginas?

Na verdade, serão 327 páginas, eu acho. É nisso em que eu estou trabalhando atualmente nos últimos três ou quatro anos. É uma tarefa titânica! É ainda um trabalho sobre as relações da consciência nessa mesma época. Mas não é uma história sobre a guerra propriamente dita! A ideia é a de fazer com que os mais jovens compreendam o que foi esse período. Não apenas baseado em fatos históricos, mas principalmente, no estado de espírito em que se encontravam seus avós e o que estes podiam enfrentar, como a fome e o medo.

Fazia muito tempo que tinha vontade de desenvolver esses diferentes aspectos, através de um personagem como Spirou, para melhor explicar essa época. Não para ser inspirado nos alemães ou no nazismo, mas algo de verdadeiramente mais profundo. É sobre a rotina diária das pessoas, pois é sobretudo isso que me interessa.

É justamente por isso que tem tantas páginas, porque são quatro anos de sofrimento que necessitam de espaço para serem contados. Mesmo que o nazismo tenha sido estigmatizado nesse período, o real problema no fim das contas é a própria espécie humana, que de vez em quando perde o controle, como nesses tempos, aliás… e, acima de tudo, a constatação de que nós somos os responsáveis por tudo o que acontece.

8 – Poderia nos falar um pouco a respeito de sua experiência em relação à adaptação em desenho animado de “Minha mãe está na América, ela encontrou Buffalo Bill”, lançado em 2013?

Na verdade, eu não me ocupei tanto com esse projeto, pois « Minha mãe está na América, ela encontrou Buffalo Bill » é acima de tudo uma obra de Jean Regnaud. É a sua história, pois é uma narrativa verdadeira. Os produtores compraram os direitos de adaptação e o fizeram meio à maneira deles, já que mudaram um pouco a história, entre a animação e o livro. É algo lamentável, pois eles deixaram um pouco de lado a essência do livro, que é sobre o abismo que separa o mundo dos adultos e das crianças e o trauma originado por isso. E fizeram isso também por razões econômicas, é claro.

Eles alteraram o curso da história. Mas eu me encontrava bem longe desse projeto, pois não podia acompanhá-lo, estando dedicado a um outro trabalho (As Aventuras de Jules), enquanto o autor já tinha concordado com tudo. Ele mesmo supervisionava o que havia sido feito em animação e coescrevia o texto também. Então, de fato, eu não gastei tanto tempo nisso. Não estava contente com o resultado, porque achava que se tratava da descaracterização da obra original.

9 – A partir dessa animação, podemos esperar outras adaptações de Émile Bravo nessa área?

Não sei, levando em conta que é um outro campo. Na minha concepção, a banda desenhada é a minha linguagem, pois acho que existem muitas diferenças entre um livro e um filme, tanto na adaptação em filme, quanto na adaptação de um quadrinho em animação. As pessoas demoram a compreender isso, porque elas veem imagens, mas tem uma grande diferença entre animarmos nós mesmos essas imagens em nosso cérebro e transcrevê-las para um desenho animado. Jamais será a mesma visão do autor!

De fato, é muito raro existirem boas adaptações. De qualquer forma, não é o meu objetivo quando eu faço uma história em quadrinhos. A minha finalidade não é de forma alguma a animação. Antes de tudo, é o livro que me interessa. E « se ver » numa sala de projeção não é uma celebração de si próprio.

Por acaso, tem uma HQ que eu fiz,« Os Ursos Anões », cuja adaptação para animação não funciona, pois eu sou muito exigente. Quando eu vejo algo que não está de acordo com meu espírito, que não se encaixa e que está dando errado, eu falo para eles desistirem. Por outro lado, seria preciso que me eu entregasse de corpo e alma para chegar lá, com êxito, segundo meus próprios critérios. Eu acho que um desenho animado dá certo quando o autor está realmente implicado a fundo no projeto, de A a Z.

Seja como for, a animação continua como um segmento. Existe uma série, da qual não sou o autor, mas na qual eu trabalhei, e que se chama « As Grandes Férias », imaginada e criada por Delphine Maury. É um desenho animado com 10 episódios de 26 minutos cada, do qual eu realizei a parte gráfica. Eu não fiz muita coisa nele, fora desenhar os personagens e inventar um universo gráfico.

Os personagens são bem animados e a história é muito boa também. Mas é um trabalho que foi concebido desde o começo para a animação. E o resultado ficou bem bacana! É a história de um bando de amigos durante Segunda Guerra Mundial. Foi um pouco por causa disso que vieram me procurar, apesar de tudo, em virtude do meu trabalho ligado a esse período…. mesmo que, na realidade, eu seja mais jovem do que pareça (risos).

10 – E em relação a « As Fantásticas Aventuras de Jules », podemos aguardar por uma continuação nos próximos meses ou anos a vir?

Sim! Quando eu terminar o Spirou, eu ainda farei mais álbuns do Jules, é claro! É como se fosse o meu bebê, que eu devo continuar! Mas, antes, eu preciso achar uma boa ideia e criar uma boa história que dará vontade aos leitores de gastarem uma ou duas horas de sua vida para lê-la. Essa é a complexidade da coisa!

Eu sei que quando algo me inquieta, e eu capto qualquer coisa no ar, é preciso que seja seja retransmitido e que eu faça uma história em torno disso. Mas como meu assunto preferido é a idiotice humana, há muito o que se fazer sobre o tema… Sem dúvida, que eu farei qualquer coisa em relação a Jules.

11 – Obrigado, Émile, por dedicar um pouco de seu tempo preciso a nossos fieis leitores brasileiros e franco-belgas. Nós desejamos a você um belo e feliz prosseguimento em sua feliz carreira.

Foi muito gentil de sua parte. Obrigado! E eu espero que existam ainda muitos de meus álbuns a serem traduzidos em português, para deixá-los acessíveis ao maior número de pessoas. E quem sabe, nos encontraremos aí um dia. A gente nunca sabe! Até breve, espero!

* http://www.bedetheque.com/BD-Boucle-d-or-et-les-sept-ours-nains-Tome-2-La-Faim-des-sept-ours-nains-51520.html

** https://fr.wikipedia.org/wiki/Les_Grandes_Grandes_Vacances

https://www.facebook.com/paco.salamander

http://www.wipytoys-studio.com/

 

 

 

 

 

 

 

Sobre o Autor

PH

É ex-locutor do TOP TV da Record e radialista. Também produz a série Caçador de Coleções e coleciona HQs europeias, nacionais e quadrinhos underground

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